O presente texto teoriza sobre a participação da
indústria farmacêutica na formação de jurisprudência favorável ao custeio de tratamento
experimental de doenças incuráveis pelo SUS, apesar de haver solução alternativa
menos custosa para os cofres públicos.
Em matéria divulgada pela mídia nacional foi contada
a história de um jovem brasileiro, portador de anemia hemoglobinúria
paroxística noturna (HPN) e o polêmico tratamento com o medicamento Soliris (eculizumab),
pago pelo SUS por decisão da justiça.
O texto instiga a indagação, de ordem moral e ética,
ao afirmar que: “qualquer um que estivesse na pele dele provavelmente faria o
mesmo...” ao se referir ao resultado de ação judicial que obrigou o custeio
público, pelo resto da vida do paciente, ao invés de submeter-se a transplante,
que poderia curá-lo definitivamente.
Por certo que ninguém é obrigado a submeter-se a
tratamento com risco de vida, sobretudo se houver solução alternativa
disponível. O que não se ponderou no caso mencionado é que na lei brasileira não
fornece bases para aferir esse fator de risco, deixando, isto sim, a critério
do bom senso dos magistrados.
Para resumir a polêmica, o SUS dispunha de
tratamento para o tratamento daquela enfermidade, o transplante de medula
óssea, mas o paciente sequer considerou o tratamento comum, preferiu pleitear e
obteve na Justiça o fornecimento gratuito de medicamento tido como o mais
dispendioso do planeta.
Apenas para confirmar o custo social da decisão
judicial, o valor unitário do medicamento é R$11.000,00 (onze mil reais), por
cada frasco de 30 mililitros, sendo que o autor da ação precisa de 6 (seis)
frascos ao mês para o resto de sua vida; já o custo do transplante, informado pelo
SUS, é de cerca de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).
Claramente podemos apontar que o transplante seria,
em tese, mais vantajoso para esta pessoa, apesar do risco de insucesso, cerca
de 30%, segundo o Ministério da Saúde.
O risco de insucesso não implica na impossibilidade
de se fazer novas tentativas. No caso, o magistrado sequer ponderou o custo
social de sua decisão. O fez, segundo critérios objetivos em detrimento aos
subjetivos, da necessidade e utilidade.
A influência médica particular foi determinante
para que o paciente sequer considerasse submeter-se ao transplante.
O médico que sugeriu o tratamento mais caro, apesar
de alegar não ser pago pela empresa fabricante do medicamento, a americana
Alexion, acabou reconhecendo para os jornalistas que “recebe dela” para “dar
aulas sobre a HPN”. E mais, afirmou que: “a empresa junta um grupo de médicos e
me paga para falar sobre a doença e o tratamento”.
Da mesma forma, a advogada que atuou no caso não vê
nenhum conflito ético por ter sido paga por uma ONG financiada pela Alexion.
O direito à saúde e seu status constitucional fazem com que situações como essas se tornem
rotineiras pelo Brasil, já que o Estado se dispôs a propiciar, de forma
integral e universal, saúde a todos.
Essa promessa constitucional não é uma norma
programática, cujas bases se assentam na possibilidade do cumprimento. Ela é
mais concreta e efetiva do que isso. É imposto ao Brasil o dever de garantir o
acesso aos insumos necessários para o restabelecimento da saúde perdida.
No caso de o SUS não dispor de solução para o
problema de saúde apresentado e não buscar nenhuma alternativa, ou passar a ignorar
o usuário, resta evidente o caminho judicial para obter efetividade ao texto
constitucional, pouco importando o custo do mesmo.
No entanto, quando houver tratamento fornecido pelo
sistema, o usuário não pode pretender receber outro, ainda que alegue haver riscos,
porque a solução está disponível para todos e todos se submetem às mesmas
condições para a sua obtenção. Essa é a essência da isonomia constitucional,
igualmente efetiva e concreta.
A história revelada na matéria jornalística nos
apresenta hipótese não compatível com a isonomia constitucional, pois a
pretensão daquele paciente impôs ao magistrado a escolha entre o tratamento
convencional e um que fora sugerido ao paciente, portanto, experimental.
Um tratamento experimental, ainda que de curso
autorizado no Brasil, não pode ser custeado pelo SUS, conforme assenta o CNJ e
as decisões judiciais deve seguir essa orientação, sobretudo se não houver
recomendação por critérios técnicos e científicos do tratamento requerido.
O magistrado deve ser auxiliado por peritos
judiciais e científicos para avaliar, primeiro, a necessidade do pedido; ainda
com o auxilio científico, deve avaliar se os resultados dos tratamentos
propostos são, ou não, compatíveis; e, por fim, deve ser adotada a solução mais
equilibrada para o caso concreto.
O custo do
tratamento deve ser pago pela indústria farmacêutica que, desde o inicio
deveria compor a demanda, pois claramente se revela um descompasso entre a
possibilidade e a legitimidade para cumprir aquela sentença.
Pensem numa cidade de pequeno ou médio porte sendo
obrigada judicialmente a fornecer um tratamento experimental de elevado custo. Agora,
pensem que o contribuinte se veja obrigado a pagar pelo tratamento experimental
que deveria ser custeado pela fabricante do medicamento.
Caso aquele município não tenha recursos financeiros
suficientes para cumprir a determinação judicial, o gestor público poderá
sofrer punições administrativas e penais, já que deixará de realizar outros
compromissos constitucionalmente previstos, como, por exemplo, investir em
educação e segurança.
A jurisprudência brasileira está à mercê do
interesse econômico internacional, que se sobrepõe ao tratamento isonômico previsto
no texto constitucional e as poucas linhas de um artigo não são suficientes
para abordar todos os aspectos que envolvem o drama da saúde brasileira.
Podemos apenas conjecturar sobre a formação de uma
jurisprudência pouco ética, quando situações como as apresentadas na matéria
jornalística são expostas tão visceralmente.
De fato, em termos constitucionais, a ponderação
entre a capacidade e a possibilidade de cumprimento de um direito fundamental
eleva o tom dos discursos pró e contra a judicialização da matéria saúde
pública.
Para uns, basta uma reforma legal para obrigar aos
gestores ao fornecimento de qualquer tratamento, independente do custo e assim
mitigar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para outros, o problema é crônico e deve ser
tratado criando constitucionalmente um “SUPER-SUS”, com gestão centralizada.
O caminho judicial sempre deve ser permitido, uma
vez que o Poder Judiciário, em última análise, diz o direito. Mas o direito de
cada um deve ser respeitado, até o limite do direito do próximo. E esse é outro
princípio decorrente do texto constitucional, sem o qual, não há dignidade em
viver.
Fonte: http://www.midiamax.com.br/
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
RODRIGUES JUNIOR, Luiz Carlos Saldanha. A saúde pública pede socorro: segunda parte. Blogger. Disponível em: <http://artigosprofessorsaldanhajr.blogspot.com.br/2012/03/saude-publica-pede-socorro-segunda.html> Acesso em 20/03/2012.
Fonte: http://www.midiamax.com.br/
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
RODRIGUES JUNIOR, Luiz Carlos Saldanha. A saúde pública pede socorro: segunda parte. Blogger. Disponível em: <http://artigosprofessorsaldanhajr.blogspot.com.br/2012/03/saude-publica-pede-socorro-segunda.html> Acesso em 20/03/2012.