sexta-feira, 16 de setembro de 2011

EMBRIAGUEZ, DOLO EVENTUAL: QUESTÃO DE POLÍTICA CRIMINAL






A pergunta que o leitor deve fazer a partir de agora após o “tiroteio midiático” é, como será a punição daqueles que ingerem bebidas alcoólicas e se dispõem a guiar seus veículos pelas ruas e avenidas de nossas cidades, arriscando, e muitas vezes ceifando, as vidas de pedestres e de outros motoristas?

Punição é aquela retribuição ou contragolpe no delito praticado, visando conferir-lhe o merecido castigo, ou nas palavras de um promotor de justiça “Justiça é pros outros, as vitimas querem é vingança!” Contudo, pondera-se que não é a quantidade da pena que inibe o crime, mas a certeza de uma punição.

E nesse caso, o que fazer então, quando a resposta inicial se resume na admissão exclusiva da culpa, por negligência ou imprudência, para as condutas que vitimarem nossos filhos e filhas, irmãos e irmãs, pais e mães de família, que perecem em decorrência do comportamento inadequado de alguns que se julgam acima da lei?

Assim questionamos, porque o órgão máximo da justiça brasileira, o STF, cuja função deveria ser, exclusivamente, o de Tribunal Constitucional, mas que, pelo sistema constitucional adotado, acaba por se tornar um tribunal de apelação, julgou Habeas Corpus de um motorista que, estando alcoolizado, causou a morte de uma família de uma cidade paulista.

A resposta do pretório excelso não parece justiça “pois esta é como todas as divindades, só se manifesta àqueles que nela creem, e para encontra-la é preciso que lhe sejamos fiéis.” (Calamandrei)

Os Ministros, por maioria, admitem que a hipótese em julgamento amolda-se à figura do homicídio culposo do art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro e que a disposição contida no art. 306, que definiria embriaguez somente é empregada, caso ficasse provado que o agente (réu) houvesse ingerido bebida alcoólica com o fim de praticar aquele homicídio do qual fora acusado.

Ora, embriaguez é a intoxicação pelo álcool ou substância de efeitos equivalentes. Quem faz uso de álcool imoderadamente é considerado ébrio, e nas palavras de Evaristo de Morais, “ébrio assemelha-se, ao maníaco, e é tão perigoso para si mesmo, como para outrem.”

A decisão do STF, a nosso sentir, traz enorme risco de prejuízo para a sociedade, cansada de testemunhar muitos brasileiros serem assassinados todos os dias em nossas ruas e estradas, alias Carrara já afirmava que somente a embriaguez completa pode afastar a culpabilidade do agente, pois “[...] a embriaguez furiosa exerce sua ação sobre o intelecto, ofuscando-o, de modo a tolher temporariamente a faculdade de perceber e de julgar retamente; equiparado à mania com delírio, pode cancelar, com efeito, a imputação.”

Sabe-se que a maioria dos acidentes de trânsito podia ser evitada, se houvesse fiscalização quanto à proibição da venda de bebidas alcoólicas em conveniências, bares e restaurantes próximos às rodovias; se houvesse conscientização dos motoristas quanto o perigo de misturar álcool e direção; ou fosse obrigatório o teste do bafômetro, em caso de suspeita do condutor estar embriagado.

Mas tudo isso não seria suficiente, porque segundo Hélio Gomes “a marcha do alcoolismo depende da dose absorvida, da resistência individual, da qualidade da bebida...” e complementa Henrique Roxo “Há pessoas que com muito pequena quantidade de álcool ficam embriagadas, ao passo que outras resistem muito.”  

Nos jornais impressos desta semana há matéria sobre a facilidade dos caminhoneiros, profissionais da estrada, em adquirir e consumir bebidas alcoólicas durante o almoço e jantar, voltando a “pegar” a estrada logo em seguida, demonstrando não nutrir respeito para com a segurança alheia.

É muito difícil, é claro, para que o brasileiro mude seus hábitos e deixe de consumir sua cervejinha, em especial nos dias quentes que, pela posição geográfica, o Brasil vivencia. Porém, isso não muda o fato de que quem ingere bebidas alcoólicas e depois dirige está a assumir o risco de causar algum acidente, já que suas funções neurológicas são afetadas pelo álcool.

De outra parte, a decisão do STF propõe situação que fulmina inúmeras tentativas de conter a crescente estatística que nos entristece.
E não se trata aqui de questionar o acerto ou não da decisão, porque esta foi tomada por autoridade competente, segundo nossas leis, mas alertar para a premente necessidade de se apresentar uma solução que, efetivamente, iniba essa conduta leviana e pouco solidária.

Ainda, admitir a punição a titulo de culpa pois assim se evitaria a injustiça de punir alguém que não agiu com dolo, provoca maior indignação do que submete-la a processo onde poderá exercer a máxima e ampla defesa.

O STF até poucos dias atrás assim se posicionava sobre o dolo eventual: “6. Para configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do agente, nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento. Faz-se imprescindível que o dolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente.” (STF, HC 91.159).

Por ai se lê que a decisão recente da 1ª Turma, que iniciou com a divergência do Ministro Luis Fux, parte da premissa de que para haver dolo eventual no homicídio decorrente de acidente automobilístico deve ficar provado que o agente ingeriu bebida alcoólica com o fim de praticar o delito, ficando sujeito às penas do Código de Trânsito, mais brandas, em caso contrário.

Pensamos, com todo o respeito, que se ficar provado que o agente bebeu, com a intensão de matar alguém, estará configurado o dolo geral, ou seja, o homicídio por ele praticado será sempre doloso.

Assim, estando provado que o motorista ingeriu álcool ou substância psicoativa que cause dependência física ou mental (art. 306, CTB) e que, pelas circunstâncias, seja comprovado que não tomou as devidas cautelas para evitar o resultado, deve responder a título de dolo eventual, porque claramente assumiu o risco de provocar o dano.

É que no dolo eventual o agente prevê o resultado, mas não age para evitá-lo. Assume o risco de produzi-lo, não fazendo qualquer diferença a ocorrência ou não deste, embora não vise a sua ocorrência diretamente. Foi esse conceito que os Ministros do STF buliram e causaram perplexidade na comunidade jurídica brasileira.

Por essas razões é que discordamos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, já que no dolo eventual ocorre uma aceitação do resultado – o agente não se interessa pelo que pode vir a ocorrer, é indiferente ao resultado de sua conduta.

Nossa posição de divergência quanto à posição adotada pela Suprema Corte, sujeita às críticas, melhor se amolda à politica criminal que deve ser mantida pelas autoridades públicas, enquanto a lei não for alterada.

Politica criminal visa, com a posição firme e contundente de nossas autoridades, assegurar a disciplina social, assim como afirmou Hungria “Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária, e o agente previu ou podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime...”  

É necessário que a sociedade se ponha em alerta para que não haja um abrandamento em casos tais, em especial quanto às condutas irresponsáveis que tiram vidas preciosas, sob pena de provocar efeito contrário ao direito.

Fonte: http://www.midiamax.com.br/

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
RODRIGUES JUNIOR, Luiz Carlos Saldanha. EMBRIAGUES, DOLO EVENTUAL: QUESTÃO DE POLÍTICA CRIMINAL. Blogger. Disponível em: <
http://artigosprofessorsaldanhajr.blogspot.com/2011/09/embriaguez-dolo-eventual-questao-de.html
>. Acesso em: 16/09/2011.
 

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A reserva do possível não é solução para o caos carcerário




Muito divulgado pela imprensa nacional a presença de mulheres e até adolescentes cumprindo respectivamente penas e medidas sócio-educativas, ou simplesmente aguardando a prestação jurisdicional do Estado, em estabelecimentos carcerários precários e destinada ao público masculino adulto. 

São mais alarmantes quando constatamos a existência de distorções na aplicação das medidas cautelares de segregação, como a prisão preventiva, que de exceção passou à regra no Brasil, por isso a superlotação desses estabelecimentos.

O legislador, nem sempre acerta em sua missão, mas a lei nº 12.403/2011 trouxe alento e colocou a questão novamente em voga.

É fato que a sociedade quer uma solução efetiva para conter a violência e deseja ações mais duradoras por parte das nossas autoridades. E não há mais lugar para o desconhecimento da grave crise vivenciada pelo sistema carcerário brasileiro.

O Estado deve cumprir seu papel e investir na melhoria da infraestrutura carcerária, ou mesmo construir novos presídios em número compatível com a necessidade real.

Entretanto a resposta jurídica padrão do Estado para a falta de investimento no setor é a aplicação do “Princípio da Reserva do Possível”.

A doutrina da “reserva do possível” se apóia na escassez de recursos para justificar a inadimplência quase total do Estado, mesmo constando o dever de prestar essa obrigação em inúmeros tratados internacionais firmados pelo Brasil e que, na maioria das vezes, sequer é de conhecimento do operador do direito. 

A doutrina da reserva do possível é a válvula de escape para qualquer administração se justificar, quando não prevê investimentos futuros em determinados setores, por exemplo, a crescente necessidade de investimentos para modernizar os aeroportos e seus serviços essenciais.

Nossos tribunais, na maioria das vezes, não tratam do tema com a devida atenção e cuidado, além de não aprofundar a questão que reverbera até no direito internacional. 

É do Ministro Gilmar Mendes (2000 p. 204) o entendimento e que serve de paradigma: “Embora tais decisões estejam vinculadas juridicamente, é certo que sua efetivação está submetida, dentre outras condicionantes, à reserva do financeiramente possível.” 

Somos contrários a essa doutrina, porque não se trata de uma escolha administrativa deste ou aquele governante, mas de uma reparação histórica diante da ausência do Estado, seja na educação, saúde ou moradia.

Podemos citar o seguinte arresto, apenas como demonstração da falibilidade da doutrina da reserva do possível:

E M E N T A – AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – PRESO – TRATAMENTO INDIGNO – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – SEGURANÇA PÚBLICA – POLÍTICAS PÚBLICAS – CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL – HARMONIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS – ATUAÇÃO ESTATAL NA MELHORIA DA SEGURANÇA PÚBLICA – DEVER DE AGIR RESPEITADO – NINGUÉM É OBRIGADO AO IMPOSSÍVEL – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO IMPROVIDO.

Os direitos fundamentais que exigem a prestação positiva estatal devem ser analisados segundo a cláusula da reserva do possível, eis que, pelo princípio geral de direito, ninguém é obrigado ao impossível, sobretudo quando o Estado, atuando dentro de seu dever de agir, demonstra, a contento, que, nos últimos anos, vem implementando políticas públicas em segurança pública, dispensando estipêndios e verbas aos órgãos estatais competentes, justamente com o escopo de melhorar a condição de vida dos presos e dos policiais e, com isso, intentar harmonizar os direitos fundamentais inerentes a escorreita realização da segurança pública.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em votação unânime, negar provimento.

Da mesma forma, e porque não dizer o óbvio, há muito estamos carecendo de instrumentos efetivos para a defesa da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ENCARCERADA. 

Por certo que a transgressão penal comporte as conseqüências previstas na lei, dentre elas o cárcere. Todavia, a simples segregação, sem instrumentos recuperativos eficazes, alimenta a famigerada industria do crime, onde não raras às vezes, pessoas que possuíam total condição de recuperação somente o são, porque não foram expostas às condições degradantes experimentadas nos presídios brasileiros.

Pouco importa se o Estado tem recursos escassos para administrar, é preciso mudar o paradigma para os investimentos. É preciso repensar os critérios de distribuição de riquezas, e é preciso combater ferozmente a sonegação fiscal e a corrupção que assolam nosso País.

Não é mais possível justificar a aplicação dessa doutrina quando, em sede de direitos fundamentais (art. 5°, XLVIII, CF/88), encontramos explícito o contrário.


Fonte: http://www.midiamax.com.br/

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

RODRIGUES JUNIOR, Luiz Carlos Saldanha. A reserva do possível não é solução para o caos carcerário. Blogger. Disponível em: <
http://artigosprofessorsaldanhajr.blogspot.com/2011/09/reserva-do-possivel-nao-e-solucao-para.html>. Acesso em: 08/09/2011.