Ao observar as regras penais de um País, podemos ter um vislumbre sobre a qualidade de vida de seu povo, a capacidade daquela nação entender o que é democracia e, principalmente, se o seu governo respeita as leis.
Um Estado soberano, por força dos tratados e convenções que firma internacionalmente, goza de legitimidade e de respeito por parte dos demais Estados, porque a premissa elementar dessa relação jurídica é o respeito incondicional pelas normas jurídicas que cada um adota.
Um País que recorre à pena de morte como solução para determinado delito grave não pode ser tido como não democrático ou que esteja sob o jugo de regime ditatorial. Da mesma forma não incorrerá em qualquer equivoco pensar que o País que concede asilo político àquele que preenche os requisitos legais para receber essa graça, seja democrático de direito.
Este último exemplo não se enquadra o caso “Battisti”, cuja repercussão internacional reverbera até hoje negativamente para o Brasil, porque ele não preenche os requisitos legais para receber asilo político.
A Ciência do Direito Penal estuda o caráter de retribuição que a pena deve externar. Nela, o poder legitimado a eleger as condutas comportamentais inadequadas é quem fornece parâmetros para que o aplicador do direito atribua um resultado, aqui chamado de pena, para todo aquele que se comporta conforme a disposição normativa.
A retribuição pelo comportamento antissocial e inadequado deve ser proporcional àquilo que entendemos como sendo antissocial e inadequado, ou seja, ilícito. Deve conter uma carga de reprovação adequada para que o indivíduo que a receber compreenda a inadequação de seu comportamento e que, após o período de expiação, retorne ao convívio social.
O caráter de ressocialização da pena deve ser bem compreendido pelo aspirante a alguma carreira jurídica ou legislativa, porque a sociedade evolui com uma rapidez tal, que alguns comportamentos tidos como inadequados ou antissociais num passado próximo, já não são assim considerados. E nisso qualquer pessoa pode se enquadrar. Chamamos à colação o caso da senhora de 89 anos que cultivava, sem saber, maconha em seu terreno.
Nesse ilustrativo caso, o neto da anciã cultivava a planta em um pequeno vaso e aquela pensou em agradá-lo transplantando o vegetal para o solo, onde, em pouco tempo, floresceu viçoso com os cuidados recebidos.
Cultivar maconha é um crime, assim como fazer uso, porém, neste ultimo caso o legislador entendeu abrandar as consequências, ou seja, não aplicar uma pena formal e criou uma celeuma jurídica sobre se houve “abolitio criminis” ou se houve despenalização da conduta “usar” entorpecente.
No caso desta anciã, presa em flagrante por cultivar a planta do neto em seu quintal, a conduta a ela imputada é e continua sendo a do tráfico, porque cultivar aquele vegetal é tido pelo legislador brasileiro como sendo antissocial e inadequado. Seu neto, por outro lado, não estará sujeito à pena alguma.
Agora que entendemos que uma conduta antissocial e inadequada é assim considerada pela legislação penal e que, em retribuição, aquele que assim se portar recebe uma reprimenda equivalente e proporcional ao seu comportamento, resta entender se há validade na permanência de uma tipificação legal quando o próprio Estado ignora seu conteúdo.
A polêmica é grande, isto porque, uma coisa é a pessoa se comportar de forma inadequada e antissocial; a outra, bem ao contrário, é o Estado negar vigência a uma regra penal e, no entanto, mantê-la no sistema como inadequada e antissocial.
O delito de receptação dolosa, por exemplo, é nitidamente antissocial e inadequado, porque o agente conhece a procedência ilícita de um produto.
Geralmente o receptador comercializa os produtos de origem criminosa, obtendo vantagem econômica e, em situações tais, pode vir a praticar associadamente outro delito, o estelionato.
O receptador, pelo conhecimento da origem ilícita do bem que comercializa, age com dolo intenso e comporta-se inadequadamente por não se importar com a vítima do delito anterior; ele apenas preocupa-se em auferir lucro com aquela transação comercial.
A baixa reserva moral do receptador, faz com que o delito seja considerado por muitos juristas um crime equivalente ao hediondo, já que o autor não se importa com as graves consequências do crime que estimula.
Até aqui falamos da pessoa que comete o delito receptação dolosa. Mas, quando o próprio Estado o favorece, de qualquer forma, podemos concluir que aquele comportamento deixou de ser antissocial e inadequado?
A resposta obvia é não!
O Estado quando pretende atualizar seu Código Criminal, a fim de retirar algum comportamento inadequado e antissocial de seu rol, o faz mediante o processo legislativo.
O processo legislativo deve respeitar todas as regras da legislação constitucional sobre o tema e, bem assim, restar compatível sistematicamente.
No entanto, um país sul-americano ratificou em 2009 um Decreto Presidencial que, em síntese, anistiava as vitimas dos receptadores de automóveis roubados, bastando que os mesmos passassem a pagar os tributos equivalentes ao IPVA brasileiro.
A anistia às vitimas dos receptadores daquele País, sem maiores delongas, trouxe um grave problema para as igualmente vitimas brasileiras, que não mais podem reaver legalmente seus bens, pois aquele ato normativo presumiu que seus cidadãos eram terceiros de boa-fé.
Ora, o texto do art. 172 do Código Penal desse país sul-americano é claro ao dispor: “El que después de haberse cometido um delito ayudare a alguien a asegurar el beneficio o resultado del mismo o recibiere, ocultare, vendiere o comprare a sabiendas los instrumentos que sirvieron para cometer el delito o las cosas obtenidas por médios criminosos, será sancionado com reclusión de seis meses a dos años.”
A medida unilateral daquele governo merecia atenção internacional sobre o crescente problema dos crimes transfronteiriços e alavancar a repressão dos crimes econômicos pelo mundo. Ou seja, a legislação interna não pode anistiar um crime que ocorreu, em tese, em outro País.
As regras processuais daquele país, similares as que aqui no Brasil são praticadas, admitiam a recuperação dos veículos sinistrados, mediante a demonstração cabal da ocorrência do ilícito. Porém, a anistia ampla, geral e irrestrita, fulminou as regras e tratados vigentes de cooperação no combate ao crime.
A adoção daquela anistia é abusiva, pois parte da premissa de que todos os possuidores de veículos roubados estejam de boa fé, desde que residentes naquele território. A verdade é que esse juízo de certeza não é alcançável por meio de mera alteração legislativa.
A verdade é que não fizemos nada. A verdade é que o Brasil não estuda sanções econômicas, comerciais ou diplomáticas para o caso. A verdade é que as vitimas brasileiras, cujos bens foram negociados por receptadores internacionais, carecem de amparo jurídico. A verdade é que são devidas muitas explicações.
Fonte: http://www.midiamax.com.br/